Em conversa
com Toffoli, Lewandowski ameaçou denunciar desvio de poder no STF
01/10/2018
18:25 / Atualizado 01/10/2018 18:58
Ministros
conversaram em São Paulo antes de Lewandowski reiterar decisão,
cassada por Luiz Fux, a favor de entrevista de Lula a jornal
Na foto, o ministro Dias Toffoli (sentado), presidente
do STF. e o ministro Ricardo Lewandowski - Ailton de Freitas / Agência
O Globo
Eram cerca
de 11 horas da segunda-feira, 1 de outubro, quando os ministros Dias Toffoli e
Ricardo Lewandowski se encontraram no auditório da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). Toffoli tinha acabado de proferir uma palestra
sobre o 30º aniversário da Constituição Federal. Encontrou-se em uma pequena
sala atrás do auditório com Lewandowski, que também palestraria no evento.
O
cenário traz alegria para ambos: Toffoli, por ter cursado Direito na
instituição; Lewandowski, por ser professor no local. Mas a conversa entre os
dois não foi nem um pouco amigável.
Toffoli
tentou se antecipar e se dirigiu a Lewandowski para lamentar a guerra de
liminares ocorrida na sexta-feira na mais alta Corte do país. Lewandowski tinha
dado autorização para o jornal Folha de S. Paulo entrevistar o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Horas depois, o Partido Novo entrou
com pedido de suspensão de liminar, atendido por Luiz Fux, que proibiu a
entrevista. Toffoli disse a Lewandowski que levaria o caso ao plenário da Corte
ainda naquela semana, para “resolver a situação”.
Foi quando o
sangue de Lewandowski subiu. Com o rosto vermelho, disse a Toffoli que, se o
caso fosse levado ao plenário, ele denunciaria o desvio de poder que tomou
conta do STF. Lewandowski recomendou ao colega que “pensasse bem” antes de
levar o processo a julgamento, porque ele não ficaria calado. E, depois de
falar bastante, deixaria o plenário sem participar da votação.
Toffoli, que
tomou posse como presidente do tribunal no último dia 13 pedindo calma aos
colegas, viu que não conseguiria apagar o novo incêndio em plenário. Ficou de
pensar em outra solução para o impasse e, depois, falar com Lewandowski. Os
dois conversaram por menos de dez minutos. Lewandowski ainda estava com o
semblante transtornado quando deixou a sala.
No mesmo
encontro, Lewandowski disse a Toffoli que naquela mesma segunda-feira daria uma
nova decisão e reafirmaria a autorização para o jornal entrevistar Lula
imediatamente. Foi para o almoço pensando nas palavras que usaria no despacho.
Depois de comer, escreveu a decisão com a ajuda de assessores.
A bandeira
de Toffoli à frente do STF era justamente pacificar o tribunal – especialmente
durante as eleições, para não inflamar ainda mais os ânimos no país. Chegou a
negociar uma trégua entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, dois frequentes
protagonistas de discussões na Corte. Embora ambos tivessem se comprometido com
o acordo de não provocação mútua, a paz durou pouco: em entrevista à Folha
de S. Paulo publicada em 31 de agosto, Barroso disse que, no STF, “tem
gabinete distribuindo senha para soltar corrupto”.
Na
sexta-feira, a guerra de liminares provocou uma nova crise. Embora não tenham
se falado, Fux e Lewandowski saíram estremecidos do episódio. Nos bastidores,
ambos não poupam críticas mútuas quando falam a outros interlocutores. Em
julgamentos criminais, são de grupos opostos. Lewandowski é dos “garantistas”,
que prezam as liberdades individuais e condenam antecipações da pena. Fux está
no grupo que apoia as denúncias do Ministério Público e as punições mais duras
a condenados por corrupção. Antes, tinham um relacionamento cordial. Agora, não
se cogita que voltem a trocar palavra.
Depois que
Fux tomou decisão contrária à de Lewandowski,este escreveu nova decisão.
Reiterou o que tinha dito na primeira, mas com críticas duras e diretas a Fux e
Toffoli. Para Lewandowski, os dois “arquitetaram” tudo. As suspensões de
liminar, pelo regimento interno, é um tipo de ação encaminhada ao gabinete do
presidente do STF. Como Toffoli estava ausente, em viagem a São Paulo, o caso
foi dirigido para a relatoria do vice-presidente, Luiz Fux. Acontece que Fux
também estava fora de Brasília. Por que, então, ele poderia decidir e Toffoli
não?
A resposta é
trivial: para Toffoli, por ser presidente do STF, seria pior derrubar a decisão
de um colega. Portanto, abriu-se o caminho para Fux atuar. Nenhum dos dois
admite isso. Na decisão de segunda-feira, Lewandowski chamou a decisão de Fux
de “teratológica”, “inusitada” e “inadequada” – o que, para o vernáculo comedido
do Judiciário, equivale a pesados xingamentos na vida real.
De acordo
com Lewandowski, se esse tipo de decisão se banalizar, todos os ministros da
Corte perdem poder, porque teriam suas decisões passíveis de serem derrubadas
por outro colega. O ministro lembrou que, entre os integrantes do tribunal, não
há “qualquer hierarquia jurisdicional”. Ainda na decisão, Lewandowski explicou
que esse tipo de decisão não precisa ser levado para julgamento em plenário. E
ainda cobrou que Toffoli, como presidente, derrube a decisão de Fux.
Lula está
preso desde abril, em decorrência da condenação pelo Tribunal Regional Federal
(TRF-4) no processo sobre o tríplex no Guarujá (SP). No dia 1º de setembro, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barrou a candidatura de Lula com base na Lei
da Ficha Limpa, que impede réus condenados pela segunda instância de concorrer.
por Carolina
Brígido - 01/10/2018 18:25 / Atualizado 01/10/2018 18:58