Curitiba/PR, 26 de setembro de 2017.
Ao Diretório Nacional do
Partido dos Trabalhadores A/C
Sra. Presidente GLEISI HOFFMANN
Senhora Presidente,
Soube pela imprensa da abertura
do processo disciplinar pelo PT-RP, bem como de minha suspensão pelo Diretório
Nacional por 60 dias. Confesso minha estranheza sobre o conteúdo do referido
processo. Neste último período, havia me preparado para enfrentar junto ao
partido um procedimento de natureza ética frente â recente condenação que sofri
na 13* Vara Federal de Curitiba, pelo DD. Juiz Sérgio Fernando Moro. Pensava
ser normal que o partido procurasse saber as razoes que levaram a tal
condenação e minhas eventuais alegações. Mas nada recebi sobre isso.
Recebo agora as notícias de
abertura de procedimento ético em razão das minhas declarações no
interrogatório judicial ocorrido no último dia 06/09/2017, sobre ilegalidades
que cometi durante os governos de nosso partido.
O procedimento questiona minhas
afirmações a respeito do ex-Presidente Lula. Sobre isso, tenho a dizer que:
Há alguns meses decidi colaborar
com a Justiça, por acreditar ser este o caminho mais correto a seguir, buscando
acelerar o processo em curso de apuração de ilegalidades e de reformas na
legislação de procedimentos públicos e na legislação partidária-eleitoral, que
reclamam urgente modernização.
Defendo o mesmo caminho para o
PT. Há pouco mais de um ano tive oportunidade de expressar essa opinião de uma
maneira informal a Lula e Rui Falcão, então presidente do PT, que naquela
oportunidade transmitia uma proposta apresentada por João Vaccari, para que o
PT buscasse um processo de leniência na Lava Jato.
Estou disposto a enfrentar
qualquer procedimento de natureza ética no partido sobre as ilegalidades que
cometi durante nossos governos, as razões e as circunstâncias que me levaram a
estes atos e, mesmo considerando a força das contingências históricas, suportar
pessoalmente as punições que o partido julgar cabíveis.
Não vejo possibilidade,
entretanto, de colaborar no processo aberto pelo partido sobre minhas
afirmações quanto às responsabilidades do ex-Presidente Lula nas situações
citadas por ocasião do interrogatório de 06/09/2017. Isso porque tais questões
fazem parte do processo de negociação com o MPF, e tal procedimento encontra-se
envolto em sigilo legal. Foi por isso que naquela oportunidade limitei-me a
fatos relacionados àquele processo. Dito isto, declaro minha disposição de
responder aos questionamentos do partido sobre qualquer tema, logo após os
prazos legais.
De qualquer forma, quero
adiantar que, sobre as informações prestadas em 06/09/2017 (compra do prédio
para o Instituto Lula, doações da Odebrecht ao PT, ao Instituto e a Lula,
reunião com Dilma e Gabrielli sobre as sondas e a campanha de 2010, entre
outros) são fatos absolutamente verdadeiros. São situações que presenciei,
acompanhei ou coordenei, normalmente junto ou a pedido do ex-Presidente Lula.
Tenho certeza que, cedo ou tarde, o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como
chegou a fazer no "mensalão", quando, numa importante entrevista
concedida na França, esclareceu que as eleições do Brasil eram todas realizadas
sob a égide do caixa dois, e que era assim com todos os partidos. Naquela
oportunidade ele parou por aí, mas hoje sabemos que é preciso avançar na
abertura da caixa preta dos partidos e dos governos, para o bem do futuro do
país.
Ressalto que minha principal
motivação nesse momento é que toda a verdade seja dita, sobre todos os
personagens envolvidos.
Sob o ponto de vista político,
estou bastante tranquilo em relação a minha decisão. Falar a verdade é sempre o
melhor caminho. E, neste caso, não posso deixar de registrar a evolução e o
acúmulo de eventos de corrupção em nossos governos e, principalmente, a partir
do segundo governo Lula.
Vocês sabem que procurei ajudar
no projeto do PT e do presidente Lula em todos os momentos. Convivi com as
dificuldades e os avanços. Sabia o quanto seria difícil passar por tantos desafios
políticos sem qualquer desvio ético. Sei dos erros e ilegalidades que cometi e
assumo minhas responsabilidades. Mas não posso deixar de destacar o choque de
ter visto Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu
governo. Com o pleno emprego conquistado, com a aprovação do governo a níveis
recordes, com o advento da riqueza (e da maldição) do pré-sal, com a Copa do
Mundo, com as Olimpíadas, "o cara", nas palavras de Barack Obama,
dissociou-se definitivamente do menino retirante para navegar no terreno
pantanoso do sucesso sem crítica, do "tudo pode", do poder sem
limites, onde a corrupção, os desvios, as disfunções que se acumulam são apenas
detalhes, notas de rodapé no cenário entorpecido dos petrodólares que pagarão a
tudo e a todos.
Alguém já disse que quando a
luta pelo poder se sobrepõe á luta pelas ideias, a corrupção prevalece. Nada
importava, nem mesmo o erro de eleger e reeleger um mau governo, que redobrou
as apostas erradas, destruindo, uma a uma, cada conquista social e cada um dos
avanços económicos tão custosamente alcançados, sobrando poucas boas lembranças
e desnudando toda uma rede de sustentação corrupta e alheia aos interesses do
cidadão. Nós, que nascemos diferentes, que fizemos diferente, que sonhamos
diferente, acabamos por legar ao país algo tão igual ao pior dos costumes
políticos.
Um dia, Dilma e Gabrielli dirão
a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do
Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimónias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral
da mais expressiva liderança popular que o pais construiu em toda nossa
história.
Enfim, e por todas essas razões
que não compreendo o processo aberto agora. Enquanto os fatos me eram imputados
e eu me mantive calado não se cogitava minha expulsão. Ao contrário, era
enaltecido por um palavrório vazio. Agora que resolvo mudar minha linha de
defesa e falar a verdade, me vejo diante de um tribunal inquisitorial dentro do
próprio PT. Qual o critério do partido? Processos em andamento? Condenações
proferidas? Se é este o critério, o processo de expulsão não deveria recair
apenas contra mim.
Até quando vamos fingir
acreditar na autoproclamação do "homem mais honesto do pais" enquanto
os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!) são
atribuídos a Dona Marisa?
Afinal, somos um partido
político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada
por uma pretensa divindade?
Chegou a hora da verdade para
nós. De minha parte, já virei essa página. Ao chegar ao porto onde decidi
chegar, queimei meus navios. Não há volta. Depurar e rejuvenescer o partido,
recriar a esperança de um exercício saudável da política será tarefa para
nossos novos e jovens líderes. Minha geração talvez tenha errado mais do que
acertado. Ela está esgotada. E é nossa obrigação abrir espaço a novas
lideranças, reconhecendo nossas graves falhas e enfrentando a verdade. Sem
isso, não haverá renovação.
E tenho razões ainda maiores.
Nas últimas décadas, sempre me decidi pelo PT, pela política, e minha família
sempre aceitou, suportou e sofreu com isso. Agora decidi pela minha família! E
o fiz com a alma tranquila.
Desde que fundei o PT há 36 anos, em Ribeirão Preto com um
grupo de amigos, na sede do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina, entre
1980/1981, dediquei-me totalmente ao partido, à política e a nossos governos.
Tive a honra e a felicidade de
ser vereador e prefeito de minha cidade por duas vezes. Tive a honra de servir
aos governos de Lula e Dilma. Enfrentei como Ministro da Fazenda uma das mais
duras crises económicas de nossa história, mas a competência de meus assessores
permitiu um trabalho com fortes e duradouros resultados. Nunca supus que o
governo tenha desandado com minha saída em 2006. Na verdade, o caminho até a
crise de 2008 foi, do ponto de vista do projeto de desenvolvimento, de grande
sucesso. Mas, como o ovo da serpente, já se via, naqueles melhores anos, a
peçonha da corrupção se criando para depois tomar conta do cenário todo.
Coordenei várias campanhas
eleitorais, em vários níveis e pude acompanhar de perto a evolução de nosso
poder e nossa deterioração moral. Assumo toda as minhas responsabilidades
quanto a isso, mas lamento dizer que, nos acertos e nos erros, nos trabalhos
honrados e nos piores atos de ilicitudes, nunca estive sozinho.
Por isso concluo:
1) Continuo
a apoiar a proposta de leniência do PT.
2)
Após respeitar os prazos legais de sigilo quanto a
minha colaboração com a Justiça, terei toda a disposição para esclarecer e
depor perante o partido sobre todos esses temas.
3)
Com humildade, aceitarei qualquer penalidade aprovada.
Mas ressalto que não posso fazê-lo neste momento e neste formato proposto pelo
partido onde quem fala a verdade é punido e os erros e ilegalidades são
varridos para debaixo do tapete.
Por todas essas razoes, ofereço
a minha desfiliação, e o faço sem qualquer ressentimento ou rancores. Meu
desligamento do partido fica então à vossa disposição.
Saudações cordiais,