O Sambódromo e a Lei
A construção, na outrora Rua Marquês de
Sapucaí, do que se resolveu intitular de sambódromo ou passarela do
samba se constitui numa ilegalidade que perdura desde o 1º governo de
Leonel Brizola (1983-1987). E a cobrança de ingresso para que o povo
assista aos eventos que lá ocorrem é mais ilegal ainda.
Diga-se, antes de mais nada, que a obra tem
forte conotação de semelhança com a obra de Vespasiano na Roma antiga. O
Coliseu, que com capacidade também para pouco menos de 100 mil pessoas,
surgiu com a finalidade principal de servir de circo, trágico circo
para o deleite dos pagãos a verem o sacrifício dos cristãos. E serviu,
também e principalmente, para perpetuar o nome do Imperador que a
iniciou e que tinha, também, a fama de ser um governante notoriamente
aumentador de impostos e taxas. A diferença no tempo é que no ano 69 o
problema não se concentrava na Educação, Saúde, na Segurança Pública e
sim nas latrinas:
“Como seu filho Tito se admirasse por
ter sido lançado imposto sobre as latrinas, Vespasiano deu-lhe a cheirar
uma moeda e disse-lhe: – Meu filho, o dinheiro não tem cheiro” (Lelo, Porto). O Coliseu ficou conhecido como a Casa de Ouro de Nero, o verdadeiro.
ILEGALIDADES
Para se ver o Carnaval (e outros eventos),
porém, seja nas arquibancadas e camarotes erguidos da rua para as
calçadas, seja na própria rua, mesmo de pé – logo, em áreas de uso comum
do povo, como diz a lei – esse mesmo povo, cujo direito de ver e
transitar é indiscutível, tem que pagar e muito para usufruir de um bem
que, pela tradição e pela legislação ao povo pertence.
Foi crendo ainda nisso que Castro Alves proclamou: “A praça! A praça é do povo como o céu é do amor. É o antro onde a liberdade cria águias em seu calor”.
O caso, porém, não é poético ou literário. O homem do povo sabe que “as
ruas públicas não são bens dominiais, não se achando no patrimôno de
ninguém, mas somente na jurisdição administrativa das municipalidades“, como proclamou o STF pelo voto de Laudo Camargo (RE 10.042).
Não é somente Washington de Barros Monteiro
quem afirma, mas igualmente Hely Lopes Meirelles que os bens de uso
comum do povo ou de uso público são os mares, rios, estradas, RUAS
e praças. São bens de fruição do próprio povo. A utilização de bens
públicos, ou é feita pelo povo em geral (uti universi), relativamente
aos de uso comum (RUAS, praças, etc.) ou pelo poder
público (repartições públicas, material de serviços, veículos, etc.).
Toda a utilização contrária à destinação dos bens ou destoante de seus
regulamentos é ilegítima e pode ser impedida por via administrativa ou
judicial.
A ENTÃO RUA MARQUÊS DE SAPUCAÍ
Ora, ninguém contesta que a outrora Rua
Marquês de Sapucaí era uma rua ou bem de uso comum do povo. Menos ainda
que as arquibancadas foram erguidas com o dinheiro dos munícipes. E como
foram erguidas sobre o que é bem de uso comum do povo, continua sendo o
povo o titular do direito do bem comum, pois o acessório segue o
destino do principal.
Sabe-se mais que a Rua em questão não foi
objeto de tredestinação, o que se traduz na conclusão que não foi
degradada administrativamente, o que exigiria lei expressa.
Logo, é consequência lógica e legal, que lá não se pode
restringir ao povo o seu de Ir e Vir, de entrar e ver o que lá se passa
ou passará. Ou condicionar a pagamento o exercício dos direitos
inalienáveis do povo.
Nem se invoque a possibilidade de ter
ocorrido a figura da afetação, que Freitas do Amaral, professor e
combativo político de Portugal, define como sendo a destinação, por lei,
regulamento ou ato administrativo, de uma certa coisa para outros fins
que não os que devem suportar-se conformes, em primeira linha, à
natureza dessa coisa. Ele dá exemplo expressivos e adequados ao caso em
tela: “é o que se dá, por exemplo, quando uma praça pública é destinada
extraordinariamente para servir de mercado, ou é ocupada para a
realização de uma festa tradicional, ou, ainda, quando um monumento
nacional é utilizado para um concerto (em “A Utilização do Domínio
Público Pelos Particulares”).
Em primeiro lugar, porque não se vislumbra
que a afetação importe em pagamento, para que o povo passe ou entre e
veja. Em segundo lugar porque inadmite a eternização do estado da coisa.
Tudo isso que a doutrina registra reflui do artigo 66 do nosso Código
Civil, que desde Janeiro de 1916, declara que “os bens públicos são: I – os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças”, e assim foi mantido pelo Código Civil Brasileiro de 2003, com a mesma redação (artigo 99).
CONCLUSÃO
Portanto, o Município do Rio de Janeiro, ou
mesmo o Estado, jamais poderia se apropriar e incluir no seu patrimônio
um bem de uso comum do povo e cobrar, deste mesmo povo, ingresso para
que o cidadão possa ir e ver o que lá se passa. Tudo isso é um
verdadeiro atentado contra a legalidade e que há 30 anos (o Sambódromo
foi inaugurado em 1984) tem sido aceito por todos. Ninguém poderá
reclamar para assistir um espetáculo no Teatro Municipal ou no Estádio
do Maracanã. São bens que integram o patrimônio da pessoa jurídica do
Estado do Rio de Janeiro. Essas construções não ocorreram na rua ou na
praça pública e, ao que parece, não violaram os direitos de ninguém.
Assim como o particular, o poder público tem o direito de usar e
usufruir o que é seu, sempre tendo em vista o interesse da coletividade.
O caso do Sambódromo é diferente. Reclama uma grita do povo.
Jorge Béja é advogado no Rio de Janeiro, membro
Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros e especialista em Responsabilidade Civil.
Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros e especialista em Responsabilidade Civil.
E cobrar pelo estacionamento em vias públicas, como fazem várias
prefeituras, incluída a da nossa ex-Cidade Maravilhosa, e Em São Leopoldo - RS, não vai na
mesma linha? Não é absurdo igual praticado pelo poder público?