O Homem que deu um xeque-mate no Banco Central
Fernando Orotavo Neto
Jogada de gênio. Não há como deixar de reconhecer a genialidade do Homem do Baú. E tudo começou, lá atrás, quando Silvio Santos conseguiu convencer a Caixa Econômica Federal a se associar ao seu banco, o PanAmericano. Ao fazê-lo, Silvio Santos tornou seu banco imune à liquidação extrajudicial e aos efeitos da Lei nº 6.024/74, que assusta, apavora e atormenta dez entre dez banqueiros deste tropical País. Afinal, como liquidar um banco que tem como acionista a CEF?
É óbvio, evidente e inquestionável, que, ao aprovar o ingresso da Caixa como acionista do Pan Americano (art. 10, inciso X, letras “f” e “g” da Lei nº 4.595/64), o Banco Central já sabia, de antemão, que aquela instituição andava “mal das pernas”, para repetir colorida e significativa expressão popular. Isto porque é dever legal do BC promover fiscalização direta e indireta nas instituições financeiras partícipes do Sistema Financeiro Nacional, conforme previsão contida na Lei nº 4.728/65.
UMA PERGUNTA – Então, faço a pergunta que não quer calar: se o Bacen tem o dever de fiscalizar as instituições financeiras (art. 3º, incisos III e IV e art. 4º, da Lei nº 4.728/65) e de decretar a liquidação extrajudicial daquelas que tinham sua situação econômica ou financeira comprometida (art. 15 da Lei nº 6.024/74), porque preferiu se demitir dos deveres que estas leis lhe impunham e permitir que a CEF se associasse a uma instituição financeira doente?
Note-se que qualquer banco que passe por problemas financeiros pode pleitear a realização de operações de redesconto e empréstimo junto ao Banco Central (art. 10, V, da lei nº 4.595/64). O grande problema, porém, é que, não honrando o empréstimo, a instituição financeira fica sujeita à decretação da liquidação extrajudicial, retornando-se, assim, ao empecilho número um: como liquidar extrajudicialmente um banco que tem como acionista uma empresa pública federal?
UMA SOLUÇÃO GENIAL – As mais altas cabeças econômicas da República devem ter “fritado”. Como liquidar o PanAmericano sem que a liquidação respingue na Caixa Econômica Federal? A saída que encontraram – explicada, à época, no melhor economês possível – resultou na concessão de um empréstimo ao banco do Baú, via o Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Isto se justificaria não tivesse o FGC sido constituído mediante a destinação específica de “administrar mecanismo de proteção a titulares de crédito CONTRA instituições financeiras” (art. 1º da Resolução CMN nº 2.197/95), e não PARA SALVAR INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Novamente genial. Ninguém sai de camelô e chega a banqueiro sem que seja titular de uma inteligência bestial.
Caro leitor, uma coisa é certa: o FGC foi criado para socorrer credores e poupadores individuais, na hipótese de quebradeira de bancos e instituições financeiras, até o módico limite de R$ 250 mil, e não para conceder empréstimos de R$ 2,5 bilhões a instituições financeiras, com o “aval” da Caixa Econômica Federal.
DESVIO DE FINALIDADE -Há aí, para dizer-se o mínimo, um desvio de finalidade, subjacente à concessão do empréstimo. Há aí, para dizer-se menos ainda, uma discriminação de conveniência política, sabido que “nunca antes na história desse País” uma empresa pública federal se associou a um banco privado e “avalizou” o seu default de “caixa” (perdoe-se o trocadilho).
O dinheiro do FGC é privado, qual o problema? – dirão alguns. Mas o dinheiro do PROER também era – agora, digo eu! – já que a conta Reservas Bancárias é um passivo monetário do Banco Central do Brasil e, em ambos os casos, o patrimônio, tanto de um quanto da outra, provém das contribuições feitas pelas próprias instituições financeiras.
Não discuto isto. O que causa, entretanto, alguma estranheza, a ponto de deixar um forte “cheiro de enxofre” no ar, é o seguinte: será que outras instituições financeiras integrantes do sistema financeiro nacional, ao se encontrarem na mesmíssima situação, estarão aptas a contrair a mesma espécie de empréstimo ou serão simplesmente liquidadas extrajudicialmente, sem dó nem piedade? Conseguirão elas o “aval” da Caixa? Certamente, não!
DINHEIRO DO POUPADOR – Na prática, já trocando em miúdos, tudo o que fez o BC foi coonestar a utilização do dinheiro do FGC, que se destinava a proteger os credores e investidores, na hipótese de quebradeira dos bancos (Res. nº 3.251/2004, art. 2º, incisos I a III), para salvar uma instituição financeira privada da bancarrota iminente. Tem responsabilidade nisso o Banco Central, por omissão específica? Sem dúvida. É mais claro que a luz solar.
A verdade é que, a não ser Eremildo, o idiota, célebre personagem criado pelo jornalista Elio Gaspari, é muito difícil acreditar que a “solução de mercado” no caso do PanAmericano seja adotada também em relação a qualquer outro banco privado que não consiga se associar a uma instituição financeira federal. Simplesmente, o BC baixa o impiedoso decreto de liquidação extrajudicial – como sempre aconteceu, pois o PanAmericano foi a primeira e única exceção.
Pode ser, também, que seja eu “o idiota” – não duvido – já que a nítida sensação de que o Homem do Baú recriou o PROER (Será o PROPAN?) não para de me acometer.
Na época, houve omissão do Ministério Público Federal, que só agora, tantos anos depois, acertadamente decidiu agir.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Fernando Orotavo Neto é advogado, professor universitário e autor de várias obras jurídicas, considerado o maior especialista no assunto, autor do livro “Das Liquidações Extrajudiciais de Instituições Financeiras”, com prefácio do ex-ministro Saulo Ramos. Seu artigo mostra que, no caso do Pan Americano, o Ministério Público e a mídia simplesmente dançaram, como se dizia antigamente. (C.N.).
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Fernando Orotavo Neto é advogado, professor universitário e autor de várias obras jurídicas, considerado o maior especialista no assunto, autor do livro “Das Liquidações Extrajudiciais de Instituições Financeiras”, com prefácio do ex-ministro Saulo Ramos. Seu artigo mostra que, no caso do Pan Americano, o Ministério Público e a mídia simplesmente dançaram, como se dizia antigamente. (C.N.).
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